LEUDO & MARIA: uma linda história de amor redentor
Maria: Eu nasci em Cedro, região do Cariri, Ceará. Aos sete anos de idade, assim como muitas famílias que fugiam das secas, mudamos para Ji-Paraná em Rondônia.
Éramos muito pobres, não tínhamos renda, lembro-me de pouca coisa, sei que a viagem foi de pau de arara e durou uns oito dias.
Leudo: Assim como a minha Maria eu também nasci no interior do Ceará, em Cipó dos Anjos, distrito de Quixadá, no Sertão Central do Ceará. Também de uma família honrada, mas, muito pobres. Nossa casa era de taipa (construção artesanal de argila no sertão nordestino) e chão batido. Na roça não tínhamos energia, àgua potável, banheiro, as condições eram muito precárias.
Em Cipó dos Anjos eu morei até os 13 anos, ali fui alfabetizado por minha mãe – a minha grande mentora, e também estudei o primário, hoje ensino infantil.
Maria: Infelizmente eu e os meus 5 irmãos não tivemos oportunidade de estudar quando éramos crianças. Meu pai dizia que precisávamos trabalhar na roça para ajudar no sustento da família.
Trabalhei duro na zona rural de Ji-Paraná (RO), Meus pais não tinham propriedade, eram meeiros. plantei e colhi feijão, milho, café, mas, sempre tinha um sonho de um dia ir para a escola.
Meu pai conseguiu um trabalho na cidade de Ji-Paraná, e mudamos para a cidade. Aos 17 anos eu só tinha a primeira série do ensino fundamental.
Leudo: Bom eu dei duro na roça também. Comecei ajudando o meu pai aos 6 anos. Mas a minha mãe foi a grande aliada dos filhos na questão dos estudos. No primeiro ano do ensino fundamental eu já sabia ler e escrever, fazer as contas de matemática. O meu pai dizia que eu não precisava mais estudar porque já era um menino muito sabido, tinha que trabalhar na lavoura e pronto, era assim com todos os meninos daquela região na época.
Apesar de ter ido para a escola somente aos 10 anos, eu diria que sempre fui muito dedicado e de certa forma disciplinado. Quando terminei a quarta série, não tinha mais como prosseguir os estudos porque em Cipó dos Anjos o primário era o fim da linha. Foi quando numa atitude aparentemente irresponsável, falei ao meus pais que, ou conseguiriam um lugar para enviar-me aos estudos ou iria me suicidar. Meu Deus – eu fiz isso com os meu pais, eles ficaram preocupados, quase levei uma surra do papai, mas isso os convenceu que deveriam fazer tudo que fosse possível para realizar o meu sonho.
Papai conhecia um casal de feirantes em Ibicuitinga (ainda era Distrito de Morada Nova, depois foi emancipado), de quem ele, vez ou outra, comprava cerne de bode ou carneiro. Pediu-lhes para abrigar-me. Eram 30 km de bicicleta, numa estrada rural de chão. Mamãe preparava minha bagagem: duas mudas de roupa muito modesta – não tinha um par de sapatos, não tinha um tênis. Na sacola também ia feijão de corda, farinha de mandioca, rapadura e ovos caipira para ajudar na alimentação. Também levava ovos para vender e com a grana pagar o importante curso de datilografia (máquina de escrever) da época. Eu ia toda segunda feira e retornava na sexta. Foi uma rotina de dois anos acolhido por uma família maravilhosa, Jadir e Maria Maia e por suas filhas gêmeas Denise e Deniseana, gente muito simples, mas que tiveram um papel inesquecível na minha vida. Ainda hoje os lembro com eterna gratidão pelo que fizeram por mim.
Aos quinze anos fui morar com a família do meu primo Xavier, nas proximidades do açude do Cedro em Quixadá – Ce. Ficava a cerca de 10 km de distância do colégio onde fui matriculado Esse trajeto eu fazia a pé, ida e volta todas as tardes; Tinha uma Rural (veículo utilitário – Brasil 1958/1977) que transportava os alunos, mas eu não tinha um centavo. Por isso saia pelo ao menos duas horas antes que a Rural e quando chegava em casa já era noite. Não suportei essa peleja mais que quatro meses. Minha mãe tinha uma prima que morava perto da Escola. Pela terceira vez fui acolhido com muito carinho, desta feita por Toinha e os filhos Expedito e Elenilda. Ali consegui um trabalho pela manhã como ajudante de pedreiro/ferreiro na construção de um edifício e tive a satisfação de pôr no meu bolso a primeiro modesto salário fruto do meu suor. Todo sábado eu tomava o pau de arara e retornava ao Cipó (Pau de arara: meio de transporte de passageiros – nas comunidades de baixa renda, feito e adaptado em caminhões no nordeste brasileiro, utilizados de forma irregular para transporte coletivo até os dias de hoje). Na madrugada de segunda feira fazia o trajeto de volta. Assim, com muito sacrifício e apoio do papai, mamãe e desses anjos que me acolhiam em suas casas eu ia avançando. Agora já terminara a sétima série do primeiro grau (ensino fundamental). No livro Amor Geracional eu conto com detalhes essa história, inclusive o meu encontro, 40 anos depois, com o motorista da Rural, ele não sabia por que eu me escondia ao invés de pedir carona. Vale a pena ler o livro.
Maria: Já na cidade, comecei a trabalhar como empregada doméstica. E continuava sem poder estudar. A minha mãe era uma mulher maravilhosa, uma dona de casa exemplar, mas não sabia ler e nem escrever e não conseguia convencer o meu pai em nos deixar estudar.
Leudo: Em 1980, meu tio Raimundo, irmão mais velho de meu pai e que havia ‘fugido’ das secas do sertão quixadaense já morava na periferia de Fortaleza; ele convenceu o meu pai de que devia me mandar para Fortaleza. Antes mesmo de completar dezesseis anos mudei-me para Capital cearense. Ali vivi talvez os momentos mais difíceis da minha adolescência, que para ser verdadeiro eu nem sabia até então o que era adolescência.
Meu tio morava no Bairro Serrinha e eu consegui vaga na oitava série do Colégio Público do Bairro Demócrito Rocha, e com a ajuda do primo Júlio, um trabalho de zelador numa empresa que prestava serviços a rede bancaria. Fui lotado numa agência que ficava no Bairro Aldeota. Para quem conhece um pouco da geografia de Fortaleza, percebe que estou descrevendo locais completamente distantes um do outro e, quão difícil foi conciliar essa situação. Eu não queria voltar para Cipó dos Anjos. Fazer isso seria renunciar aos sonhos de infância. Várias vezes eu fazia a pé o trajeto que deveria fazer tomando dois ônibus e também muitos foram os dias que fazia apenas uma refeição, isso quando chegava em casa por volta da meia noite, estava lá o saboroso baião de dois da saudosa tia Hilda para matar a minha fome. Outras vezes, no almoço, com um colega de trabalho, catávamos o que sobrava da marmita dos funcionários do banco. Apesar das dificuldades, as minhas notas escolares sempre estavam entre as melhores nos colégios por onde estudei.
No ano seguinte começava a empreitada do ensino médio. Na época as vagas na rede pública eram disputadíssimas. Lá do interior, a minha mãe, ela sempre foi um referencial comunitário, conseguiu uma Bolsa de Estudos e fui para um ótimo Colégio. Marieta Buriti, uma influente prima da minha mãe, conseguiu um emprego de office boy numa empresa de eletrificação e para otimizar a logística, mudei para o meu quinto lar. Da mesma forma, fui carinhosamente recebido por uma outra prima de mamãe, Santinha, o esposo José Alberto e os filhos Orleudo e Camila.
Em menos de um ano tornei-me o homem da confiança dos donos da empresa. Com aval do contador do grupo, fui designado para cuidar do setor financeiro. Era muito bem remunerado e pude desfrutar do privilégio de começar a honrar os meus pais também financeiramente.
Em 1984, a convite do Primo Júlio, com quem trabalhei até 1989, mudei-me para Ji-Paraná – RO e dei início a um novo ciclo na minha vida.
Maria: o meu pai, além de agricultor era sanfoneiro, tocava em festas nas comunidades rurais, e no final do ano de 1989 eu conheci o Leudo numa festa comunitária na zona rural em Ji-Paraná. Ele queria dançar comigo, me ofereceu uma bebida, fez umas graças – mas eu disse não.
Naquele dia eu não disse sim para o Leudo, mas na verdade algo nele me impressionou e fiquei com muita vontade de aproximar-me dele. Ele era muitíssimo magro e bigodudo, mas achei muito encantador.
Leudo: Nesse período eu comecei a trabalhar na Secretária de obras da Prefeitura e era o chefe do pai da Maria, e os dois irmãos dela Tico e Neto, eram aprendizes de mecânicos ali, eles disseram que a sua irmã estava interessada em mim. Àquela altura eu já com vinte e cinco anos, estava mesmo à procura de uma moça para casar-se e constituir a minha família. Conversei com o José, pedi a Maria em Namoro, inicialmente ele negou, mas depois disse sim. Meu sogro era bem jovem mas muito rigoroso e estabeleceu uma serie de critérios. Só podíamos nos encontrar duas vezes por semana e na presença de toda a família da Maria. José me fez assumir compromissos com ele, de não “avançar o sinal”, até o dia do casamento.
Maria: Eu e Leudo não tínhamos momentos a sós, no tempo que ficava na minha casa o Leudo somente conversava com o meu pai. Após três meses daqueles encontros, já noiva, eu pedi ao papai para nos deixar namorar, nos conhecer melhor, ao final iriamos nos casar, ele disse que não. Em um domingo, eu disse que o Leudo me propôs ir morar com ele caso não tivéssemos como conversar sobre o nosso noivado. Meu pai ficou enfurecido.
Leudo: Na segunda cedo ao chegar no trabalho, os meus futuros cunhados, e aliados, muito preocupados, disseram que o Zé iria tirar satisfações comigo e que estava disposto à briga.
Maria: Ele chegou a agredir-me, tomou a aliança de noivado, foi horrível…
Leudo: Fui ao encontro do José, ele esperava-me na casa dos nossos padrinhos, Ivani e Jair, e depois de uma longa conversa nos entendemos. Ratifiquei que honraria a aliança que havia feito com ele e juntos fomos devolver a aliança à Maria.
Maria: No dia 07 de julho de 1990, na paróquia São José, lotada, nos casamos. Foi lindo, o Leudo cuidou de tudo, foi uma grande festa e o mais importante, fizemos tudo nos termos prometidos ao me pai.
Leudo: O meu primeiro beijo na Maria foi no Altar da Igreja, após dizer SIM, ali a Maria realizava o seu sonho, mas eu também realizava o meu primeiro grande sonho. Desde criança eu sonhava em constituir a minha família.
Maria: No começo foi muito difícil, eu tinha 18 anos, como a maioria das moças eu não sabia nada sobre casamento, e ainda sofria com a falta de estudo, de conhecimento.
Leudo: Eu era mais experiente, tinha formação como técnico em contabilidade, tinha 26 anos, mas creio que no início do casamento foi a Maria a grande responsável pelo sucesso da relação, principalmente nos primeiros dois anos.
Maria: Nos dois primeiros anos, o Leudo Me deixava muito sozinha, dava mais atenção aos amigos e continuava se comportando como se fosse solteiro. Ainda tinha umas pescarias sem peixe em finais de semana. Foi bem difícil. Para piorar, depois de uns exames a minha médica disse que eu nunca iria engravidar, que o meu útero era infantil. Sofri calada, e esperava um milagre, pois sonhava em ser mãe. O Leudo tinha pressa em ser pai.
Leudo: Mas, casamento e família é o melhor projeto de Deus. Em 1992 e 95 nasceram Pedro e Gustavo, milagres de DEUS em dose dupla em nossas vidas.
Maria: Leudo sempre foi muito trabalhador, nunca deixou faltar nada para a família, um provedor de excelência, mas, entrou de cabeça na política e isso, por um tempo, deixaria ele muito distante de min e das crianças.
Leudo: Verdade. Eu sempre tive consciência das minhas obrigações como chefe de família. Mas, por um bom período, acredito que negligenciei como sacerdote e não dei a minha Maria a honra que o esposo deve conceder a esposa. O apóstolo Paulo ensina que o marido deve amara mulher como Cristo amou a Igreja (Efésios 5:25). Em 2005, já na metade do segundo mandato eletivo eu tive um encontro face a face com Deus. Depois de um bom tempo de amizade com um homem extraordinário – o pastor José Augusto Rondon, eu dei um novo rumo na direção da minha família. Eu deixei Jesus Cristo ser senhor da minha vida.
Maria: O que aconteceu com o Leudo foi uma verdadeira conversão à Cristo. Em 2008 tive um grave problema de saúde. Eu estava no fim do curso de serviço social, quando perdi a minha mãe, ela era a minha melhor amiga.
Oito anos antes, eu tinha sofrido um princípio de distúrbio mental, mas foi controlado facilmente. E desta vez foi muito forte, eu perdi a memória completamente, não reconhecia meus filhos, o Leudo, ninguém.
Por mais de um ano fiquei sem capacidade de raciocínio e fui cuidada completamente pelo Leudo, ele me banhava, me vestia, me alimentava. Ele largou tudo para se dedicar totalmente a mim.
Leudo: Naquele período eu ocupava um importante cargo no governo de Rondônia. Eu ficava durante a semana em Porto Velho e nos finais de semana em casa em Ji-Paraná. Pedi demissão e não tive dúvidas que devia por em pratica os votos que fiz no dia do casamento: eu prometi amar e cuidar, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença.
Foram longos meses de um terrível sofrimento e de uma provação que somente nossa família sabe exatamente o que atravessamos. Os médicos, neurologistas e psiquiatras disseram que dificilmente a Maria retomaria a memória e que ela não poderia responder por seus atos. Ela passou a tomar doses altíssimas de remédios.
No ápice da crise o nosso caçula, o Gustavo, sofreu um acidente e teve quer fazer uma cirurgia de emergência, inclusive teve que retirar o baço, não foi a óbito por providência divina. Tive que cuidar dos dois.
Maria: Desde o princípio do nosso casamento sempre fomos ativos em atividades da Igreja, inicialmente Igreja Católica, mas, nos últimos 15 anos, temos nos esforçado para melhor servir no Reino de Deus.
Leudo: Um dia em meio àquela provação, eu disse a Deus em oração que se Ele possibilitasse a restauração da memória e da saúde da Maria, nós iriamos servi-lo naquilo que Ele nos chamasse a fazer. Um dia eu fiz um ato profético dentro da nossa casa, foi algo tremendo, indescritível, e o milagre aconteceu.
Maria: Depois que eu fui curada, aos poucos eu fui tomando conhecimento de tudo que ocorreu comigo e com a minha família no período da enfermidade. E não há palavras que possam externar a minha gratidão, a Deus, ao Leudo, aos filhos e as pessoas que estiveram ao nosso lado durante o período de sofrimento.
Leudo: Em 2018, o nosso Gustavo ao fazer uma bateia de exames, restou constatado que Deus lhe deu um novo baço. Isso mesmo, aconteceram coisas extraordinárias em nossas vidas. Essa história em maiores detalhes está narrada em dois livros de nossa autoria, Casamento, Você Disse Sim (2014) e Amor Geracional (2019).
Nota: Leudo é advogado com especialização em direito constitucional e direito público e Maria é assistente social. A partir de 2009, atendendo ao chamado de Deus, Leudo e Maria passaram a dedicar-se com todas as suas forças ao ministério de edificação e restauração de casais. São líderes e treinadores do ministério Casados para Sempre da Associação MMI Brasil, e já ministraram centenas de seminários, cursos e conferencias para casais; em 2017 ele foi ordenado pastor da Igreja Missionária Unida Catedral da Família em Porto Velho e juntamente com os pastores Valcenir e Cida Silva, fundaram o ministério de restauração de famílias Você Disse Sim. São autores do Guia do Casamento Você Disse Sim, com a missão de conscientizar líderes cristãos quanto a importância e necessidade de promover o pastoreamento permanente e específico para casais, um conteúdo inédito para restauração e edificação de casamentos. Leudo é também preletor de jantares e sócio do Capítulo 142 da Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno em Porto Velho – RO.